... Textos avulsos sobre o romance e outras coisas...
sábado, 10 de maio de 2014
Talvez, quem sabe, um dia...
Antonia Laura, minha mãe e um dos meus tipos inesquecíveis (Álbum de família)
Quase não falo
de mãe. Poucas palavras digo sobre a minha e menos do que o mínimo a respeito
de mães alheias, das minhas irmãs que foram mães, das tias que provaram as
dores e alegrias da maternidade e de uma geração mais nova de sobrinhas que
cedo deram à luz. Se na vida elas são
tantas, imagine o que tem a história e a literatura? Um exército delas. Não
escapei de criar uma mãe para o Leo, personagem central do “Berlinda – asas para
o fim do mundo”. E outras mães atravessam a narrativa deixando uma marca
indelével, ainda que possam estar em segundo plano. Mas mãe é um papel
universal e que dá à mulher o dom de ser a grande matriz dos personagens da
nossa vida e da ficção, sejam mães naturais ou mães de coração, aquelas que
abriram o colo para os rebentos que perderam os colos naturais.
São tão furta-cores,
abusam do mimetismo e da simplicidade que fazem das mães o ser mais divinamente
comum que a humanidade já teve, que sofre as dores, desilusões, que aprendem
com o peso da renúncia a grandeza que nós, pobres mortais, nem chegamos a pressentir.
Melhor não revirar páginas das tragédias pessoais de cada um, coisa
inesgotável.
Quando vejo toda
essa movimentação comercial pelo dia das mães, um dia que para mim não provoca
qualquer reação mais forte, sinto-me liberto também por não ficar aprisionado
ao apelo comercial em nome de um amor que nem a propaganda nem as estratégias
de marketing jamais entenderão. Minha mãe já se foi há muito tempo. Mas quando
era viva, nunca nos impôs essa corrida maluca por presentes, mimos e afins para
ser reverenciada com a ‘Rainha do lar’. Ela era uma mulher prática,
trabalhadora e o que fazia era apenas melhorar um pouco mais o cardápio do domingo
especial. Já me lembro da casa com menos irmãos e sem esses rituais das efemérides,
das festas sazonais. Dos que estavam sob o mesmo teto, um ou outro tinha um
emprego para garantir um trocado e ajudar no orçamento. Mas vamos deixar isso
pra lá. Minha mãe, dona Antonia Laura, como gostava de ser chamada, foi um
mulher invulgar e comum nas suas paixões, cuidados e desvelos maternos e que há
muitos anos, pelo menos para mim, é um dos meus tipos inesquecíveis.
Quando Gal Costa
gravou “O amor”, poema de Vladimir Maiakovski (na verdade um fragmento do poema
intitulado ‘A propísito disto’, dedicado a Lila Brik, o grande amor do poeta)
musicado por Caetano Veloso e Ney Costa Santos, é que entendi o era minha mãe,
o que era mãe. E que quando as mães morrem, nós morremos também. Então pedimos
a ela que nos ressuscite, pois ela abrigou a célula que nos deu vida. E é
engraçado como esses momentos provocam conexões íntimas. O poema de Maiakovski
evocou a imagem de minha mãe a lembrança de um dos personagens que foi marcante
nas leituras de juventude, a sra. Peláguea Nilovna, do romance “A Mãe”, de
Máximo Gorki. As mães que são mães por amor e vocação transitam num universo
que só elas entendem. E a realidade e a ficção se alternam com uma naturalidade
que nos escapa ao entendimento, por vezes. E são capazes de se transformar para
defender os filhos. Elas vão à luta, como as mães argentinas da Praça Maio que
marcharam contra a história oficial em à procura dos filhos desaparecidos. Ou a
grande mãe que foi Zuzu Angel.
Deixo aqui o
poema, na voz de Gal Cista, como se fosse cantado para dona Antonia
Laura, tal uma canção de ninar. E para ninar outras mães.
Talvez, quem sabe um dia
por
uma alameda do zoológico
ela
também chegará
ela
que também amava os animais
entrará
sorridente assim como está
na
foto sobre a mesa
ela
é tão bonita
ela
é tão bonita que na certa eles a ressuscitarão
o
século trinta vencerá
o
coração destroçado já
pelas
mesquinharias
agora
vamos alcançar tudo o que não podemos amar
na
vida
com
o estelar das noites inumeráveis
ressuscita-me
ainda
que mais não seja
porque
sou poeta
e
ansiava o futuro
ressuscita-me
lutando
conta as misérias do cotidiano
ressuscita-me
por isso
ressuscita-me
quero acbar de viver o que me cabe
minha vida para que não mais existam amores servis
Nenhum comentário:
Postar um comentário