sábado, 21 de dezembro de 2013

Doha total

Na ponta esquerda da mesa, "Berlinda" em exposição. By Ronald Junqueiro


Vida atabalhoada e muito que fazer me tiraram de cena. Numa correria que durou uma semana e pouco, fui de Belém pra São Paulo, voltei para Belém e viajei de novo pra São Paulo e acabei no Catar. Em Doha, Doha total. E, por essas coisas que fogem ao controle, meu romance foi parar na mesa do ministério da cultura de lá. Conto melhor: participei de uma missão do governo que foi ao Catar, a convite da sheikha Mozah bint Nasser, fazendo assessoria de comunicação e levei meu livro a reboque. Saí de Belém no dia 6, voo da madrugada.  Parei em São Paulo e por lá fiquei até às dez da noite. De lá peguei um voo da Qatar Air Arways, 14 de voo, com direito a travessia do Atlântico, da África até chegar à terra dos Emirados Árabes.

Doha é um canteiro de obras. Lembra Brasília e suas asas urbanas. A viagem teve seu gosto de aventura, logo na chegada. Desci por último do avião, esperei o ônibus que leva passageiros para a área de desembarque. Na minha bagagem de mão, uma fitinha azul identificava meu destino e só. Fiquei num grupo de passageiros em que as bagagens de mão eram identificadas por fitas amarelas. Daí começou a sair fumacinha da cabeça. O ônibus saiu e parou no terminal para os passageiros com as fitinhas amarelas, para quem estava em trânsito. Eu e mais três passageiros seguimos no ônibus para outro terminal, para os que iam ficar em Doha.

Eu sempre fico ansioso em desembarques internacionais. Sempre uma história. E não seria diferente desta vez. Enfrentei uma fila enorme na imigração. Sozinho. Num país muito estranho, com idioma estranho e ninguém à me esperar. Os funcionários do país são amigáveis. Passaporte carimbado fui para a esteira apanhar minha mala (que estava com a alça arrebentada). A mala estava ao lado da esteira rolante ao lado de outras duas.  Lembrei-me de uma passagem por Londres, onde fui para outro terminal e esqueci minha bagagem no terminal de origem e quando voltei para apanhá-la estava lá, indiferente ao movimento e aos olhares. Na época, lá pelos idos de 1991, nenhuma mala abandonada era recolhida de imediata por causa de atentados terroristas e se ninguém reclamasse ou procurasse suas tralhas, ali elas ficavam e um esquadrão antibomba poderia ser acionado se houvesse a mínima suspeita de perigo de tudo ir pelos ares.

Peguei minha mala sem alça e fui procurar o transfer do hotel no qual eu fizera a reserva. de olho naquelas plaquinhas improvisadas com nome de passageiros que são esperados. Ninguém esperava o pobre mortal. Ninguém no box do transfer do hotel. Saí da área de desembarque e fui procurar o balcão de informações.  No caminho, um rapaz magrinho atravessou a porta giratória:

- Taxi!

- No!

No aeroporto de Doha, algo em comum com Val-de-Cães. O motorista do táxi comum vai à luta na corrida contra as cooperativas. Eu, com extrema desconfiança e cautela, frutos da ignorância sobre o país, reagi da mesma forma que em outras ocasiões em que faltava informação sobre a realidade: Não!

Falei com o funcionário do balcão, contei que procurava pelo transfer do hotel. Ele ligou para o hotel e a pessoa que atendeu disse que poderia providenciar, mas meu cansaço não me deixou esperar. Voltei pro hall de saída e vi que o motorista a quem eu disse não ficara no mesmo lugar, como se tivesse certeza de que iria voltar. Combinei a corrida. Em Doha, táxi não tem taxímetro e é na base do vamos combinar o preço.

Do aeroporto até o hotel foram 15 dólares. Eu não tinha como fazer conversão para a moeda local, o ryal, que no câmbio só considerava o dólar americano. US$ 1 dólar = RYQ 3,64.  Eu não tinha ideia do valor. Na chegada ao hotel, o motorista queira me dar o troco em ryal para uma nota de US$ 50. Pedi um tempo, fui falar com o porteiro da noite, um indiano, que, gentilmente, fez a conversão, o câmbio e foi pagar o taxista.

O taxista era um rapaz de Bangladesh, novo. Olhos assustados. Vivia no Qatar há seis anos. Veio ganhar dinheiro para enviar pra família e um dia voltar para casa. Mais um cidadão de países asiáticos a buscar dinheiro nos Emirados Árabes. Era mais um dos 90% de estrangeiros que vivem em Doha, uma cidade em construção, uma pérola no meio do deserto e às margens do Golfo Pérsico. Ainda voltarei a falar dessa aventura.

Pois bem, consegui deixar meu livro para o pessoal da cultura catariana ou catari, não sei bem qual é o adjetivo pátrio. Acho que vi as duas formas.

Quando voltei pro hotel, olhei as fotos e vi meu livro sobre a mesa da reunião. A Berlinda conseguiu chegar longe. Lembrei-me do sentimento de desapego que uma velha amiga me falou. Eu não sou mais o dono do livro. Não sei qual será o destino dele. Pode ficar perdido em alguma estante de uma biblioteca de Doha. Talvez nunca seja lido. Tem alguma coisa a ver com as garrafas de náufragos.

Quem sabe termine numa fogueira do islamismo. O romance toca em temas proibidos no Catar e em países árabes como o homossexualismo que é tratado como crime. Que pode levar à morte e a duras penas como no Catar, que pode condenar um gay a pena de um ano de prisão ou aplicar 90 chibatadas no acusado.

Nos países árabes, direitos humanos não são respeitados. Isso gera protestos pelo mundo afora e já deixa os camelos de pelo eriçado com a copa de 2022, que será sediada no Catar. O presidente da FIFA, Sepp Blatter, andou advertindo os grupos gays a evitar “atividades sexuais” durante o campeonato mundial do futebol. Que coisa ridícula!

Bom, quem viver verá!




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