Na ponta esquerda da mesa, "Berlinda" em exposição. By Ronald Junqueiro |
Vida atabalhoada e muito que fazer me
tiraram de cena. Numa correria que durou uma semana e pouco, fui de Belém pra
São Paulo, voltei para Belém e viajei de novo pra São Paulo e acabei no Catar.
Em Doha, Doha total. E, por essas coisas que fogem ao controle, meu romance foi
parar na mesa do ministério da cultura de lá. Conto melhor: participei de uma
missão do governo que foi ao Catar, a convite da sheikha Mozah bint Nasser,
fazendo assessoria de comunicação e levei meu livro a reboque. Saí de Belém no
dia 6, voo da madrugada. Parei em São
Paulo e por lá fiquei até às dez da noite. De lá peguei um voo da Qatar Air Arways,
14 de voo, com direito a travessia do Atlântico, da África até chegar à terra
dos Emirados Árabes.
Doha é um canteiro de obras. Lembra
Brasília e suas asas urbanas. A viagem teve seu gosto de aventura, logo na
chegada. Desci por último do avião, esperei o ônibus que leva passageiros para
a área de desembarque. Na minha bagagem de mão, uma fitinha azul identificava
meu destino e só. Fiquei num grupo de passageiros em que as bagagens de mão
eram identificadas por fitas amarelas. Daí começou a sair fumacinha da cabeça. O
ônibus saiu e parou no terminal para os passageiros com as fitinhas amarelas,
para quem estava em trânsito. Eu e mais três passageiros seguimos no ônibus
para outro terminal, para os que iam ficar em Doha.
Eu sempre fico ansioso em desembarques
internacionais. Sempre uma história. E não seria diferente desta vez. Enfrentei
uma fila enorme na imigração. Sozinho. Num país muito estranho, com idioma estranho
e ninguém à me esperar. Os funcionários do país são amigáveis. Passaporte
carimbado fui para a esteira apanhar minha mala (que estava com a alça
arrebentada). A mala estava ao lado da esteira rolante ao lado de outras
duas. Lembrei-me de uma passagem por
Londres, onde fui para outro terminal e esqueci minha bagagem no terminal de origem
e quando voltei para apanhá-la estava lá, indiferente ao movimento e aos
olhares. Na época, lá pelos idos de 1991, nenhuma mala abandonada era recolhida
de imediata por causa de atentados terroristas e se ninguém reclamasse ou
procurasse suas tralhas, ali elas ficavam e um esquadrão antibomba poderia ser
acionado se houvesse a mínima suspeita de perigo de tudo ir pelos ares.
Peguei minha mala sem alça e fui
procurar o transfer do hotel no qual eu fizera a reserva. de olho naquelas plaquinhas
improvisadas com nome de passageiros que são esperados. Ninguém esperava o
pobre mortal. Ninguém no box do transfer do hotel. Saí da área de desembarque e
fui procurar o balcão de informações. No
caminho, um rapaz magrinho atravessou a porta giratória:
- Taxi!
- No!
No aeroporto de Doha, algo em comum com
Val-de-Cães. O motorista do táxi comum vai à luta na corrida contra as cooperativas.
Eu, com extrema desconfiança e cautela, frutos da ignorância sobre o país,
reagi da mesma forma que em outras ocasiões em que faltava informação sobre a
realidade: Não!
Falei com o funcionário do balcão,
contei que procurava pelo transfer do hotel. Ele ligou para o hotel e a pessoa
que atendeu disse que poderia providenciar, mas meu cansaço não me deixou
esperar. Voltei pro hall de saída e vi que o motorista a quem eu disse não
ficara no mesmo lugar, como se tivesse certeza de que iria voltar. Combinei a
corrida. Em Doha, táxi não tem taxímetro e é na base do vamos combinar o preço.
Do aeroporto até o hotel foram 15 dólares.
Eu não tinha como fazer conversão para a moeda local, o ryal, que no câmbio só
considerava o dólar americano. US$ 1 dólar = RYQ 3,64. Eu não tinha ideia do valor. Na chegada ao
hotel, o motorista queira me dar o troco em ryal para uma nota de US$ 50. Pedi
um tempo, fui falar com o porteiro da noite, um indiano, que, gentilmente, fez
a conversão, o câmbio e foi pagar o taxista.
O taxista era um rapaz de Bangladesh,
novo. Olhos assustados. Vivia no Qatar há seis anos. Veio ganhar dinheiro para
enviar pra família e um dia voltar para casa. Mais um cidadão de países
asiáticos a buscar dinheiro nos Emirados Árabes. Era mais um dos 90% de estrangeiros
que vivem em Doha, uma cidade em construção, uma pérola no meio do deserto e às
margens do Golfo Pérsico. Ainda voltarei a falar dessa aventura.
Pois bem, consegui deixar meu livro para
o pessoal da cultura catariana ou catari, não sei bem qual é o adjetivo pátrio.
Acho que vi as duas formas.
Quando voltei pro hotel, olhei as fotos
e vi meu livro sobre a mesa da reunião. A Berlinda conseguiu chegar longe. Lembrei-me
do sentimento de desapego que uma velha amiga me falou. Eu não sou mais o dono
do livro. Não sei qual será o destino dele. Pode ficar perdido em alguma
estante de uma biblioteca de Doha. Talvez nunca seja lido. Tem alguma coisa a
ver com as garrafas de náufragos.
Quem sabe termine numa fogueira do
islamismo. O romance toca em temas proibidos no Catar e em países árabes como o
homossexualismo que é tratado como crime. Que pode levar à morte e a duras
penas como no Catar, que pode condenar um gay a pena de um ano de prisão ou aplicar 90 chibatadas no acusado.
Nos países árabes, direitos humanos não
são respeitados. Isso gera protestos pelo mundo afora e já deixa os camelos de
pelo eriçado com a copa de 2022, que será sediada no Catar. O presidente da FIFA,
Sepp Blatter, andou advertindo os grupos gays a evitar “atividades sexuais”
durante o campeonato mundial do futebol. Que coisa ridícula!
Bom, quem viver verá!
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