A velha árvore de Natal voltou à sala depois de ser esquecida por muitos anos
Dezembro é um
mês que nos faz, inevitavelmente, olhar para trás, não importa a distância já
percorrida até aqui. Às vezes só nos damos conta disso bem tarde, mas todos nós
iremos um dia nos defrontar com esse instante. Penso que comigo tudo foi muito
precoce. Andei lado a lado com a tristeza e a alegria muito cedo e elas não
precisaram se apresentar com a pompa dos grandes bailes ou a dor imensurável
das grandes tragédias. Já faziam parte da minha natureza e posso até dizer que
são quase como minhas células-tronco tal a capacidade de autorrenovação. São
autorreplicantes e podem se transformar se for o caso e, na minha visão, têm
fôlego de sobreviventes. E mais, são capazes de virar outra célula como uma
metamorfose ambulante.
Dezembro não é triste, eu é que brigo com uma
melancolia natural que me acompanha desde cedo, mas que cede seu lugar quando
lanço mão de coisas que podem ser pequenos atos como dar meu tempo a alguém,
escutar uma música, ler um livro, escrever, desenhar, assistir um filme,
pensar, viver minhas saudades e o direito de ser triste quando a tristeza é
necessária para me despertar para a vida. Não preciso de megaeventos para achar
que sou um ser privilegiado. Acredito que ao longo do tempo aprendemos a
construir pequenos artifícios para transitar pela claridade, pela sombra, pela
luz difusa das transições que nos acompanha no final dos ciclos. Aprendi uma
dureza que se aprende na luta do rochedo contra o mar, com muita disciplina. Mas
não temo mostrar minha fragilidade como coisa de fracos, pois ela é um desafio
importante a duas coisas que nos tornam humanos melhores: sentimento e inteligência.
O que nos fragiliza pode fortalecer nossa percepção.
Dezembro é
assim, dividido entre banquetes e mesas vazias. Não é o mês em si que pode me
deixar down, mas lembro de quando eu
percebi que ele simbolizava solidão. Eu estava em Berlim e recebi uma carta de
um amigo muito querido que morava em Stuttgart me convidando para passar as
festas com a família dele, que não era bom ficar sozinho no Natal. Há muitos
anos eu já nem sabia o que era passar as festas de final de ano em família, em
especial depois que meus pais morreram. Algumas vezes eu estava fora de Belém,
batendo perna pelo mundo, algumas vezes num plantão de redação e outras vezes,
desde que saí de casa, trancado no meu apartamento, quieto e sem espírito
natalino. Acho que depois que a gente perde o tal espírito natalino ele jamais
será resgatado. Não falo isso em tom de lamento e, nessa perspectiva, dezembro
ficou menos dramático para mim.
Dezembro, melhor
deixá-lo como é senão a emenda sai pior que o soneto. Assim penso.
Dezembro e seu
tecido esgarçado, roto, com alguns buracos, fiapos, com manchas de vinho maculando
o branco linho da toalha bordada, trilhas de migalhas de rabanada. Dezembro da
velha árvore natalina, a lembrança de um presépio que se perdeu no tempo, ecos
de vozes e risos. Tudo isso se passava na minha cabeça na viagem de trem entre
Berlim e Stuttgart. Cheguei à gare e meu amigo me esperava com um sorriso
acolhedor. E veio a noite da ceia. Vários amigos da família passaram para
visitas e troca de votos e presentes. Em mim havia alegria e uma estranheza de
estranho no ninho. Lembro que ganhei uma camisa quentinha, cor de telha. Mas
não havia a grande aglomeração como nas casas brasileiras, como na minha casa. Mas
na verdade nada de novo, só o frio rigoroso do inverno.
Dezembro logo se vai. Tem gosto de tanta
coisa. O pior é a sensação de ausência. Hoje senti saudade do Willi Hoss, esse meu
amigo alemão que já não está mais por aqui. Lembrei das nossas caminhadas
trocando ideias, jogando conversa fora, saboreando a vida com a sabedoria na companhia de um
homem de bem, simples.
Dezembro me faz pensar na falta que faz essa
simplicidade do ser, dos encontros descontraídos, do se dar incondicionalmente, do não artificializar os
sentimentos ou a emoção, do não trapacear, do não abusar da arrogância de se achar o centro
de tudo.
Dezembro trouxe de volta a árvore de Natal
que eu não gostava mais de armar. Criou um elo com algumas lembranças que eu
queria resgatar, lembranças felizes para compensar o peso de algumas perdas
importantes, este ano, que me balançaram, que me tiraram do eixo. Mas há em
tudo isso, também, um ritual de libertação. Dezembro passará. Eu passarei.
Todos nós somos passageiros levando na bagagem o que fomos recolhendo pela
vida, Diamantes ou bijuterias. O que importa? Cada um sabe o que guarda seu
relicário.
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