Arte feita em smartphone (2013). (Ronald Junqueiro) |
A rota do escritor não entra em colisão
com a rota do leitor, mas há alguns atrapalhos no caminho. De 2011 pra cá,
minhas leituras entraram num ritmo slow motion.
Nos últimos três anos, se li dez livros foi muito e isso incluindo
releituras afetivas, emotivas, de trabalho e de redescobertas em relação à primeira
leitura. Sinto passar sobre minha cabeça certa sombra de remorso, por conta da
minha natureza de leitor voraz, insaciável que sofre a abstinência de texto e
quando vê a pilha de livros com um selo de “urgência” e... Nada! Quase todos os
dias digo a mim que vou recuperar o tempo perdido, o que soa como promessas de
ano novo e... Nada! E tempo é curto, o tempo não para, o que se perdeu do
tempo, na verdade, é um tempo irrecuperável.
Março já vai pelo meio e até agora
separei apenas um livro, que nem é recente. Estava escondido numa fileira de
outros livros não lidos, silenciosos e vigilantes, quietinho na estante desde o
ano 2000. E estava numa parte da estante onde ficam o que classifico de livros
avulsos, que guarda uma boa distância do que escolhi para ler. Mas acho que ele
me chamava há algum tempo, ao seu modo. Apanhei-o quando procurava outro. Mas
ao me deter olhando a capa e o título não pestanejei.
Já estou na boa companhia do “Rebuliço
no pomar das goiabeiras”, publicado em 1998, livro de estreia de Kiran Desai,
uma escritora indiana, publicado no Brasil pela Record. Desai é filha da
escritora Anita Desai e veio ao mundo abençoada pelo dom de escrever. Não
conheço outro livro dela. Sei que em 2006, Kiran ganhou o Man Booker Prize, um
dos prêmios mais importantes da literatura mundial. “The inheritance of Loss” (O
legado da perda), foi lançado no Brasil pela Alfaguara. O romance, o segundo da
escritora, garantiu o reconhecimento a Kiran Desai que, aos 35 anos, foi a mais
jovem escritora a ganhar este prêmio. Uma parte do livro foi escrita por Kiran
Desai no Rio de Janeiro. Ou aqui tudo começou, em Ipanema. A escritora mora em
Nova Iorque.
Para mim, a literatura indiana é um
território quase inexplorado. Entrei na onda do Salman Rushdie, escritor
indo-britânico, quando ele lançou “Versos satânicos” – e com o livro veio sua
sentença de morte, uma fatwa (édito), decretada
pelo então líder do Irã, o aiatolá Ruhollah Khomeini, que amaldiçoou o livro,
considerado uma blasfêmia contra Maomé. Mas o livro “Versos satânicos” aparece
como literatura produzida no ocidente e não indiana. E lá se vão 25 anos.
Comecei a ler “O Deus das pequenas
coisas”, de Arundhati Roy e parei por aqui. Este romance se junta a outras
leituras interrompidas. Isso mesmo, há uma outra pilha de livros que esperam
por mim. Alguns esperam há mais de 20 anos.
Assim como é pobre minha relação com a
Índia, o mesmo se dá com relação à literatura africana. Li há muitos anos “O
bebedor de vinho de palmeira”, de Amos Tutoia, lançado pela Nova Fronteira, mas
não passei daí.
O mundo da literatura é que nem o mundo
vasto mundo com todos os raimundos, rimas e nenhuma solução.
Daí que sempre me senti numa
encruzilhada literária. Todo tempo é pouco para ler o que comprei e o que virá.
Arranjo uns argumentos para suprir perdas e danos. Sinto-me tentado a comprar
“O legado da perda”, de Kiran Desai, e com ele dar por visitada a obra dos
indianos. Com os autores africanos ficará uma dívida impagável.
Meu cantinho da literatura asiática é
algo minimalista também no universo dos livros. Mas vou encontrar um tempinho
este ano para revisitar Mishima e descobrir Murakami. Esse continente me
fascina com a mesma intensidade com que me entrego aos latinos. Desse jeito, crio
meus pontos de equilíbrio como leitor.
Em “Rebuliço”, o personagem já me atraiu
pelo nome: Sampath Chawla. Um personagem
intrigante que certo dia resolve subir em uma goiabeira e vira um eremita que
atrai multidões que se despencam até o pomar para ver o ser iluminado.
Quando li uma resenha do livro à época,
imediatamente me veio à lembrança um autor que me deixara inebriado, o escritor
Italo Calvino. O primeiro livro de uma trilogia que ele escreveu, “O barão
rompante”, me foi presenteado por uma amiga jornalista, a Regina Alves e virou
tema de longos bate-papos com ela e com outra pessoa encantada pelas letras,
Meg Guimarães, professora de Filosofia da Universidade Federal do Pará.
Pois bem, o jovem Sampath Chawla tirou
do seu canto na minha estante o jovem nobre Cosme Rondó, personagem do livro “O
barão rompante”, de Ítalo Calvino, que também resolveu um dia viver nas
árvores. Um conto de fada, de pura magia, carregado de questões filosóficas.
Além do Barão, os outros dois livros que integram a trilogia são “O cavaleiro inexistente”
e “O visconde partido ao meio”. Imperdíveis.
O que há de singular, de conexão e
distanciamento entre Kiran Desai e Italo Calvino, entre Sampath Chawla e Cosme
Rondó, vou saber quando sair do pomar das goiabeiras. E já prevejo o que virá:
além de Virginia Woolf, Italo Calvino entrará na fila das releituras.
Inevitável.
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