A berlinda foi concebida por artesão que vivia em Berlim. By Ronald Junqueiro Berlinda é uma palavra com significado especial na vida dos paraenses, muito especial. Para mim, paraense confesso e por nascimento, não seria diferente, uma vez que a palavra está enraizada desde as primeiras lembranças infantis, dos primeiros passos de peregrino e devoto da Virgem de Nazaré, a padroeira, levado no colo dos pais na procissão do segundo domingo de outubro. A berlinda é um dos elementos que compõem este imenso painel da fé cristã.
Quando pensei o romance baixou também a agonia de encontrar o título que sintetizasse razão e emoção,
a química. Mas o título fluiu e colou no livro, como nossas digitais são
impressas nas folhas arquivadas na Secretaria de Segurança Pública e o polegar,
na carteira de identidade.
Tenho minha tropa
estelar de autores preferidos, que se alternam entre a cabeceira e as estantes
do apartamento, mas os títulos (além das capas) sempre me seduziram sem que precisem
ser o objeto obscuro do prazer, tanto que muitos autores vieram parar no meu
cantinho por causa do título. Transcendiam a embalagem.
Certa vez, de férias no
Rio de Janeiro, fui à Livraria Leonardo da Vinci, naquela fase juvenil de cair
na farra literária e gozando merecidas férias da redação. Estava caçando uma
edição rara de um livro sobre a Amazônia para um colega jornalista. Não lembro
mais o título da obra rara, mas guardei para sempre aquela manhã memorável,
perdido entre as estantes da livraria com cheiro da biblioteca pública que me
encantava na época de estudante de ensino médio. Eu fazia parte da turma dos
ratos de biblioteca, turma dos sem grana e sem mesada. Estudante que vivia na
pindaíba, mas não desistia da paixão pelos livros.
Hoje penso que meu sentimento era mais ou menos como o do personagem do romance “Ninguém escreve ao coronel”, do Gabriel Garcia Marques, que morreria de fome, mas não sacrificaria seu galo de briga, enquanto esperava pelo dinheiro da aposentadoria que não chegava.
Aliás, este título é
mais bonito em espanhol: ‘El coronel non tiene quien le escriba’ e dele gosto
mais do que “Cem anos de solidão”, do mesmo Garcia Marques, para sempre Gabo, o
que não quer dizer que eu não ame o segundo livro tanto quanto o outro.
Bom, vamos voltar à
livraria carioca, localizada no subsolo do edifício Marques de Herval, na Avenida
Rio Branco, um prédio que virou referência na arquitetura do Rio de Janeiro e
um dos lugares mais queridos de Carlos Drummond de Andrade.
Perdido entre
tabuleiros e estantes, numa das paradinhas para ler lombadas, um livro
despencou sobre meu ombro. Juntei o livro e coloquei-o de volta sem dar-lhe
muita atenção. Algum tempo depois, o tal livro caiu novamente. Peguei o
exemplar e mais uma vez coloquei-o na estante, olhei para ver se não havia
alguém por perto e nada. O livro caiu mais uma vez e aí disparou o sinal
vermelho da minha imaginação. Devia ser uma visagem procurando o que ler. Pelo
sim, pelo não decidi sair dali e quando me virei de costa para a estante o
livro caiu atrás de mim. Mais uma vez olhei para os lados e desta vez peguei o
tal livro e meus olhos se encheram de curiosidade e alegria: a capa mostrava um
desenho de Stan Laurel (1890-1965) e Oliver Hardy (1892-1957) - O Gordo e o Magro -, minha dupla de comediantes preferida, nas sessões da
tarde da televisão. E o título quase grudava nos meus olhos, projetado numa
tela de cinema com o título de um filme (do livro) que os dois iriam assistir:
“Triste, solitário e final”, do jornalista argentino Oswaldo Soriano.
O livro é uma
preciosidade para mim, pois mistura na trama além de Hardy, o magro, outro
personagem muito conhecido do cinema e da literatura policial, Philllip
Marlowe, detetive criado na ficção por Raymond Chandler. E a busca é para saber
que fim levou Stan Laurel, o Magro, personagem de fim melancólico, bem como o
ator que o interpretava. O livro me cativou por vários motivos e me fez
descobrir o porquê de eu gostar mais Laurel e Hardy do que de Charles Chaplin.
Quando Stan Laurel e
Charles Chaplin chegaram à Nova Iorque, Laurel arqueou os ombros e viu o quanto
seria duro vencer na carreira e na vida. Chaplin encheu o pulmão de ar e disse
que não ter duvida de que aquela cidade seria sua.
Meu coração bateu por
Stan Laurel. Afeto vem assim, sem imposições.
Clique aqui para ver um
episódio de O Gordo e o Magro.
Chegamos à escolha do título “Berlinda –
asas para o fim do mundo", mas quero dizer de antemão que o romance
escrito nada tem a ver com temas religiosos ou ligados à Virgem de Nazaré. São
histórias de pessoas comuns, relatos cotidianos e ordinários. O título tem duas
composições. A segunda “asas para o fim do mundo" é uma frase da letra
“Estado de espírito” musicada pelo meu parceiro Vital Lima, e que publiquei num
texto aqui no blog, no dia 27 de julho de 2013.
O título principal, “Berlinda” está
ligado diretamente à Berlim. É nesta cidade alemã que surgiu o modelo e o nome
da carruagem, que evoluiu e veio parar em Santa Maria de Belém do Grão Pará,
para abrigar a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, que atrai milhões de olhares.
Não é para menos, afinal a padroeira está na berlinda.
A carruagem foi criada por volta de 1670
para Frederico Guilherme I, de Brandemburgo, que queria um transporte especial
para passear pela cidade. A carruagem foi concebida por um artesão genovês, de
nome Filipe Chiese, que a batizou de Bérline, nome francês de Berlin. A letra
“d” que passou a integrar o nome berlinda pode justificar-se por influência do
adjetivo “linda”, devido à elegância do coche.
Acho que mais que um título foi, na
verdade, como encontrar um nome de batismo para o romance, que não queria
morrer pagão.
Assim, encontrei o elo literário que eu
queria entre Belém e Berlim e, mais, transformei a berlinda numa nave da
imaginação.
Mas quem está na berlinda afinal?
Minha memória é uma montanha de títulos
e não dá para listar todos aqui. Mas faço uma lista de alguns que me vieram em
flash, mas é só uma brincadeirinha. Qual destes livros eu colocaria na berlinda,
agora, por achar que resumem as impressões digitais do autor? Só não vale a
Bíblia e o Alcorão. Escolhi dez, mas
sempre vou citar mais alguns daqui por diante, até porque o melhor título nem
sempre é o do melhor romance. Vamos nessa:
1. Três casas e um rio, Dalcídio
Jurandir
2. Grande sertão: veredas, João
Guimarães Rosa
3. Narciso em tarde cinza, Jorge Mautner
4. O deus das pequenas coisas,
Arundahati Roy
5. Se um viajante numa noite de inverno,
Ítalo Calvino
6. O ano da morte de Ricardo Reis, José
Saramago
7. O livro dos insultos. H.L. Menken
8. A morte é uma transação solitária,
Ray Bradbury
9. A lua na sarjeta, David Goodis
10. Atire no pianista, David Goodis
Quais
são os seus títulos inesquecíveis?
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sábado, 17 de agosto de 2013
Meus títulos inesquecíveis
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