sábado, 9 de novembro de 2013

Carregando elefante na cabeça


A berlinda já chegou. Falta apenas dar a partida. By Ronald Junqueiro
Agora é contagem regressiva pra valer.  Alguns amigos me perguntam se estou ansioso. Há uma dose de ansiedade, sim, mas o cansaço é maior, um cansaço que vem de reações sentimentais como a de querer muito a presença de pessoas que estão longe ou que não estão mais aqui. Não é coisa de sentimentalóide, assim mesmo, essa mistura de sentimental com debilóide, mas ainda que fosse o que fazer? Há outro cansaço que fica por conta de organizar o encontro: o atraso na chegada dos convites e uma logística mambembe que conta, felizmente, com as facilidades da internet para enviar a versão eletrônica do convite impresso, corre ali, digita acolá, negocia com fornecedores pequenas coisas para que tudo saia bem e tudo isso quebrando a rotina, que está no nosso nariz, inexorável, difícil de corromper.  Isso me lembra dum retrato feito pela Elis Regina sobre toda essa realidade do fazer cultural onde a gente vive o que planeja com muito de improvisação e arranjos de última hora.  No Brasil, os espetáculos são hollywoodianos, mas a produção é macunaímica.

Na quarta-feira, a editora me avisou que ainda estava providenciando uma remessa por avião de uma parte dos livros, para garantir o lançamento nesta segunda-feira, dia 11. A conta é por minha conta. Entrei no vermelho. Ou melhor, já estou ficando roxo. Caramba! O certo era a carga ter saído de São Paulo no início da semana. Isso me exaspera, pois aprendi, no jornalismo, uma coisa chamada urgência e no Brasil ou no país que se chama Pará as coisas muitas vezes se arrastam como cobra preguiçosa. Eu sofro com essas coisas. Mais do que com o rombo no meu orçamento. E sofro muito mais quando ouço uma esfarrapada palavra de consolo, tipo “vai dar tudo certo!”... Sim cara pálida, nem respondo nesses momentos. Melhor fechar a boca.

Sobre isso, lembro que conversei com um amigo sobre o tempo em que eu andei pagando mico por querer subir num palco. Teatro amador com todas as suas consequências. Havia a pregação do amor e sacerdócio ao palco que se confrontava com as coisas do mundo real: quer fazer teatro? Aprenda a fazer luz, montar cenário, costurar a roupa do personagem, distribuir release na imprensa, otras cositas más e no final ensaiar. Era esse o esquema de tudo o que antecedia a estreia. Claro que isso faz muito tempo, que muita coisa mudou, mas o princípio é mesmo. O glamour se desfaz no esforço operário de ter que, de repente, ver-se obrigado a mover, de um lado para o outro, caixas de livros ou tijolos.  Cultura no país parece pesar que nem um elefante. Carregar esse paquiderme é coisa para quem tem espírito de ilusionista.

A minha sexta-feira foi uma síntese desses arranjos. Telefonei para uma gráfica encarregada de fazer um painel da foto que quero levar para o Gasômetro. Já estou em estado de alerta. O fornecedor não entrega painel no local e nem instala; o painel não entra no meu carro, ufa! A solução só virá na segunda-feira.

Bem mais cedo, por volta das três da madrugada, acordei atarantado, pois havia esquecido de deixar na portaria do prédio onde moro um CD com as músicas da trilha musical do livro. Firmo Cardoso, meu amigo e parceiro, ia passar cedo para apanhar o CD para levar para o estúdio. Tenho a impressão que esse material era o original... Melhor não pensar.

Reuni também uns CDs para gravar num pen drive pensando no lançamento. Queria criar um fundo musical. Selecionei peças clássicas e música alemã contemporânea.  Não deu certo. Pedi ajuda. Estou à espera do amigo que vai fazer esse roteiro para mim. Tomara que dê certo! Acho que vou levar meu radinho de pilha para qualquer emergência... Ah, o que seria da cultura sem os amigos?!

Por volta do meio dia fui obrigado a enfrentar o trânsito de Belém.  Engarrafamento e barulho de rua. Belém é campeão de poluição sonora e gente grossa no volante. Dirigi mais ou menos dez quadras por mais ou menos vinte minutos num trajeto que não me custaria dez minutos em um domingo.  E a cabeça sem parar. Frio na barriga. Pensei no velho ditado: um dia da caça, outro do caçador. Eu, a caminho de um programa de televisão, pela primeira vez na vida...  Como entrevistado! Convite do Zé Gondim para ir ao Sem Censura, que não pude recusar. Situação como essa, eu classifico como profanação da minha timidez e de invasão do meu mundo.  Meu lugar é bastidor. Sou do texto e não da fala, da oralidade. Penso que não foi o que poderia ser. Mas aprendi, no estúdio, a ligar o piloto automático. Nem percebi quando tudo acabou.

Trânsito de novo. Supermercado. Cheguei em casa, abri o e-mail e tinha um convite para ser entrevistado em um programa de rádio. Péssima impressão de que possa me acostumar com isso. Acho que era a forme, sei que estava varado de fome. Fome provoca pensamentos anuviados. Ponho a mesa. Feijão, frango, arroz e salada. Almoço franciscano. O relógio digital do monitor da televisão dizia que passava das quatro da tarde. Celular vibrando sobre a mesa. Atendi.

- Os livros chegaram!

Minha querida Suely, anjinha das boas novas. Antes que eu desabasse no sofá e dormisse que nem pedra, tamanho era o cansaço físico e mental, assaltado por uma ponta de felicidade, perguntei.

- Podemos pegar uma caixa amanhã?

Adoro meu velho sofá. Pena que não seja igual ao sofá do escritor francês Crébillon Fils, que amargou a prisão da Bastilha por escrever textos libertinos e de onde foi libertado para virar censor real.

Tudo combinado. Sábado, onze da manhã. Irei à editora que abrirá uma porta ao lado da livraria para que eu veja a prova do crime. Porque hoje é sábado. Eu gosto dos sábados ainda que não conhecesse a poesia de Vinícius de Moraes sobre o dia da criação.

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