sábado, 15 de fevereiro de 2014

Bye bye Spandau


Leo foi ao vagão-restaurante tomar um café. Zarah não quis acompanhá-lo. Voltou e cochilou mais um pouco até despertar com a mão de Zarah tocando seu ombro.

— Leo, temos que mudar de trem. Aconteceu algum problema na estação. Você entendeu a informação no som interno?

— Não. Ouvi só a palavra Achtung! Mas não prestei atenção. O que houve?

— Parece que alguém cometeu suicídio. Um jovem teria se jogado nos trilhos quando o trem parava na estação.

— Onde nós estamos?

— Em Kassel.

O vagão rapidamente esvaziou-se. Passageiros andavam rápido, em filas duplas, atrás de um novo vagão do trem para onde estavam sendo transferidos.

A notícia dada pelo sistema de som era tão burocrática... Alguém se suicidara, e era como se o sujeito tivesse escorregado em uma casca de banana. Os trens não podiam parar, nem o tráfego ficar refém de um suicida, o trânsito tinha que fluir sem atropelos. Os horários a cumprir. A vida rodava na paranoia dos ponteiros. A vida continuava. Não para todos, evidentemente. Alguém sempre ficava para trás. Com ele não era diferente, assim pensava.

— Vamos nos atrasar na chegada?

— Quase nada. Para a companhia, foi apenas um incidente. Mas não vamos descer na estação central como antes. Nossa parada será Spandau.

Spandau soou familiar. Era um nome ligado à guerra, sempre a guerra, entranhada em cada poro da história daquele povo. O bairro abrigou a prisão de nazistas que foi demolida depois da morte de Rudolf Hess, que ali viveu 20 anos e que praticamente foi, no final da vida, o único prisioneiro a ficar no local. Berlin, cidade que oferecia uma intimidade histórica, como se todos fossem testemunhas atemporais de tudo o que ali se passou. Ela refletia, que nem espelhos bem polidos, uma produção lucrativa ao alcance de todos. A guerra gerava produtos muito mais vendáveis do que a paz. As cidades, além de cenários, eram protagonistas.
 (...)
 Berlin. Noite. Spandau. Leo sentiu o coração acelerado, cheio de uma saudade indefinida, de uma sensação noturna. Trechos à meia-luz, a baixa iluminação em algumas estações do metrô, janelas reveladas pelo clarão de um televisor ligado que se via do lado de fora. Ou a luz que vazava de escritórios ainda abertos. A solidão era passageira de muitos vagões. A voz que anunciava cada parada denunciava um entrar e sair mecânicos. De Spandau até Berlinerstrasse eram dez paradas. E veio-lhe à cabeça a estação de Pulitzbrücke, lugar de onde saíam os judeus para os campos de concentração. As estações permaneciam até hoje indiferentes a esse ir e vir, ao movimento de passageiros, o que parecia às vezes um sem destino ou o colapso. Havia tantos lugares em Berlin por onde ele nunca passeara... Leo adorava a sonoridade de alguns nomes, como Prenzlauer Berg, Moabit, Hansaviertel, Pankow, Tempelhof, Tegel, Görlitz. Desta
vez, queria ver de perto a Bernauerstrasse e o Palácio das Lágrimas que abrigou as tristezas das despedidas entre as duas cidades separadas pelo muro. A cidade tinha um lado melancólico nas horas noturnas, abaixo das sombras. E por ela passeavam fantasmas. Apesar da atmosfera cinza, lá no fundo havia uma certeza de que Berlin tinha vocação para a festa.
— Você quer comer alguma coisa? — perguntou Zarah ao saírem da estação da Berlinerstrasse. — Há um pequeno restaurante turco perto de casa.

(Berlinda – asas para o fim do mundo. Capítulo Berlinda 1, Páginas 22/23)



Um dia especial. Um tom de adeus Berlim, em Spandau. E era sábado. Conheci a Zitadelle, fortaleza medieval construída numa ilha criada no encontro dos rios Havel e Spree para proteger Spandau, que hoje faz parte de Berlim. A Zitadelle começou a ser planejada em 1557 pelo arquiteto italiano Francesco Chiaramella de Gandino, substituído um ano depois pelo também arquiteto italiano Lynar zu Graf Rochus.

É incrível como a Zitadelle lembra a fortaleza de Macapá.

A fortaleza de Spandau foi erguida entre quatro bastiões dispostos simetricamente e ligados por paredes de cortina, eliminado pontos cegos onde os inimigos pudessem se esconder. Só não resistiu às investidas do exército de Napoleão Bonaparte, quando a cidade foi atacada por volta de 1806. Mas escapou dos bombardeios na Segunda Guerra Mundial. 

 O trabalho de conservação desse monumento da renascença militar da alemã é um exemplo de defesa também da memória e da história local. O projeto de restauração vem desde a década de 60.

Spandau passou a fazer parte de Berlim em 1920. É um dos maiores bairros de Berlim e o menos povoado. Desfruta de uma paz de zona rural, quebrada quando tem jogo do Herta de Berlim no Estádio Olímpico que fica nas vizinhanças. No mais, lembra pequenas cidades europeias, com um pequeno comércio, uma igreja antiga cheia de histórias.

A Zitadelle é mais que um sítio histórico. Ali funciona uma escola de arte, ateliers, centro cultural, teatro, restaurante, café, galerias e museus. Também vira palco para grandes shows de música e teatro. Chama atenção um canto onde estão 28 estátuas encontradas que estavam soterradas nas ruínas do Tiergarten, durante os bombardeios da segunda guerra.

Foi à primeira vez que passei por lá. No final da visita, uma parada no restaurante para matar a sede com uma cerveja da casa e uma sopa de batatas. Uma noite mágica que se encerrou com o show de um mágico que animava uma festa de aniversário de crianças que usavam roupas e adereços medievais.

Uma noite de fantasia.

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