Alguma coisa
acontece e a gente sabe do acontecido, que aquilo é verdade, mas custa a
assimilar o fato como verdadeiro. Vi a notícia logo cedo, na sexta. João Ubaldo
Ribeiro estava morto. Havia uma estranheza no ar. Mudei de canais para ver o
noticiário em outros telejornais, entrei na internet, vasculhei as redes
sociais e lá estava a notícia da morte do escritor. João Ubaldo já não estava
entre nós. Ser apanhado de surpresa nos tira dos eixos, mais ainda ao acordar.
A manhã lá fora, cheia de sol e da cidade em movimento e para dentro da gente a
manhã continua iluminada, só que é uma claridade diferente, sem sombras; tem
luz, só que a paisagem é fria, indiferente. Há tristeza em tudo, dentro e fora.
E uma enorme falta de vontade de espantar a tristeza. Ela nem é má companhia.
É incrível como
a gente lê tanto essa gente das letras que até parecem ser nossos
parentes. Nem os conhecemos pessoalmente
e nem deles privamos da amizade. Mas nesse caso nem precisa. Os laços se fazem
sem controle e nos pegamos muitas vezes falando dessa gente sem solenidade, sem
os vermos como gente do outro mundo estelar. E a gente se pega muitas vezes
falando do João Ubaldo Ribeiro, o Jubaldo como era tratado pelos amigos, que
nem tivéssemos acabado de encontrá-lo ali na esquina e brindado à vida. Ele
gostava de um gorózinho, teve problemas com o álcool e falamos dessas
intimidades como se fôssemos testemunhas e companheiros.
Lá se foi João,
o brasileiro berlinense que conquistou o mundo com a brasilidade de poucos. Deu
adeus em um dia tão pesado, no dia em que um avião da Malásia que decolara de
Amsterdã rumo a Kuala Lumpur foi atingido por um míssil e caiu na Ucrânia,
perto da fronteira russa, matando quase trezentas pessoas que estavam a bordo,
entre elas cem estudiosos do vírus da Aids.
Vida boa, vida
breve. Nunca viveremos o bastante para dizer isso. Se olharmos para tudo o que
Jubaldo fez na literatura, vamos ver que ele se foi menino. Agora é imortal.
A tristeza vai
evolar-se. Essa palavra me traz tantas coisas à mente, mas é de pouco uso. Evolar lembra-me
fumaça de cigarro, aqueles fios azulados dançando no ar até se desfazerem. Como
a fumaça glamurosa saindo da piteira de Marlene Dietrich, acompanhada pelo som do
gelo do uisquinho do poetinha Vinícius de Moraes, ou pela voz rouca da cantora
Maysa que cantava fumando, ou pelo menos assim me lembro de uma cena a
evolar-se em minhas lembranças. Fumaça e jazz. Faço tantas associações.
A tristeza me
leva à contemplação. Fui atrás das águas. Parei na Estação das Docas, no meio
da tarde, comprei um sorvete de bacuri e fiquei olhando o sol e seus reflexos.
Mas a baía estava com águas meio cinzas. Tristeza é pra sentir. Não há o que
pensar. Só lembrar e sentir. No paralelepípedo irregular soam passos. A água da
baía lembra infância. As ilhas do outro lado de Belém, aventuras e travessuras
de férias com a família.
E a tarde passa,
há outras coisas a fazer...
Nenhum comentário:
Postar um comentário