Imagem BG, o Trabante (ou Trabi) famoso carro da Alemanha Oriental. Ele virou
peça de colecionador e da Ostalgie, onda de nostalgia da antiga Berlim.
Quatro
pedacinhos de pedra. Não são amuletos, mas é incrível como eles têm a vibe de Berlim, como uma grande cutucada
nas minhas emoções. Não seria diferente, ainda que eles sejam souvenir do muro. A partir deste
domingo, a cidade estará sob novas luzes com a festa dos 25 anos da queda do
muro. Em pensamento – e em sentimentos -
estou por lá.
É outra Berlim. Mudou. Há uma nova geração
escrevendo a história desse tempo, sem o mesmo entendimento e afetos dos velhos
símbolos de uma época de riqueza antes da guerra, do terror da guerra e dos
anos sombrios que vieram com a divisão de fronteiras e de corações, até que veio 1989, quando o jogo mudou e desmontou o tabuleiro da guerra fria.
Entre e idas e vindas, estive em Berlim cinco
vezes, na primeira, ainda havia o muro e foi uma sensação esquisita apanhar um
ônibus no centro da cidade, na famosa avenida Kudamm, e atravessar pro lado
oriental a partir do Check Point Charlie. Fiz poucas fotos desse passeio,
usando ainda filme colorido, em negativo. Elas se perderam em algum trajeto
depois que saí da casa que era dos meus pais e fui morar só.
Não eram fotos espetaculares, só
registros de viagem, sem valor jornalístico e, acho que, nem mesmo sentimental.
Eram fotos amadoras, tiradas no modo automático e algumas estavam desfocadas. O
melhor arquivo ficou mesmo por conta da minha memória. E da minha bagagem de marinheiro
de primeira viagem para quem tudo virava souvenir,
de um postal de propaganda a um papel de bala. Até hoje guardo dois pulôveres
que relutei em me desfazer.
A primeira pedrinha que eu ganhei veio logo depois
da queda do muro, era um pedacinho de concreto que de um lado tinha vestígio de
tinta em verde e amarelo. Não lembro muito bem onde foi parar. Mas lembro de
que durante um bom tempo eu a levava comigo para onde ia, no bolso da camisa,
na calça, na mochila e me achava uma pessoa absurda por causa disso. Acho que
era tentativa de compor algum personagem que poderia aparecer um dia. E
apareceu. Já existia, na verdade.
Eu o encontrei escondido atrás das páginas de uma
coletânea de contos alemães. Quando li História
cotidiana de uma rua berlinense, de Günter Kunert, vivi aquele instante em
que a gente não sabe se o que se está sentindo tem algum sentido, se é verdadeiro
ou apenas o impacto provocado pela emoção tecida no tear do autor. Mas não
parei de ler e fui até o fim na mesma hora para saber o que resultaria desta
provocação. Como eu previa: alegria e tristeza num única célula. A esperança e
a solidão do senhor Davi Platzker, o personagem, é tocante. Entre as ruínas de
Berlim no final da guerra, ele procura recompor na memória o que era a cidade,
olhando um velho mapa urbano. E no meio da ruína, depois de algum tempo de
contemplação, descobre que já estava na rua que procurava, a antiga rua onde
morou.
Há uma perceptível simbiose entre Herr Platzker
e o escritor. Gunter nasceu em Berlim, no dia 6 de março de 1929. Tinha dez
anos quando a Alemanha invadiu a Polônia clicando o botão da mais sangrenta
guerra mundial. Ele foi membro do partido comunista da Alemanha Oriental, do qual foi expulso e conseguiu sair do país para a Alemanha Ocidental. Kunert vive com a mulher numa pequena cidade do norte da Alemanha, Itzehoe, com quase 33 mil habitantes. A cidade lembra um set de filmagem. Um lugar que eu gostaria de conhecer. Ou morar.
Mais tarde entendi
o sentimento que as pedrinhas – a que sumiu no tempo e as outras que vieram
depois – me faziam sondar, especular, cavar nos territórios esquecidos pela
memória ou envoltos na bruma do tempo: pressentir que, de fato, há tão somente o
tempo que vivemos e nada mais. Não dá para voltar um passo sequer, somos
impelidos para um futuro indistinto, estamos imantados por um destino que nos suga
para um vácuo que parece ser constituído de infinitos vácuos e o que há de
tristeza e alegria, de feiura e beleza, seguem lado a lado com a gente ou até um
ou dois passos à frente, mas não há como divisar o vácuo, a fronteira.
Queria muito
olhar no céu de Belém o céu de Berlim sendo iluminado pelos oito mil balões
brancos instalados na linha do que foi o muro. Fiquei só imaginando. Nós, esses
seres estranhamente humanos que sobrevivemos a todas as contradições, ainda nos
valemos da imaginação para nos sentirmos reais.
O sábado passou,
nem notei que já seria domingo em Berlim, simplesmente nem me dei conta disso,
pois o coração também estava ocupado com outros haveres, com outro gostares,
com outras descobertas e construções mentais nesse rebuliço diário que é a
vida. Eu me lembrei de alguns amigos distantes, senti saudade de outros mais
perto, de amigos que chegaram recentemente e a agulha imaginária bailando em
algum vinil antigo, arranhando canções de amor me fez bendizer esse sentimento
que às vezes esquecemos nas gavetas, no isolamento, no medo de alimentá-lo, o
que na verdade não o faz definhar e sim aumentar-lhe a fome. Eu quero, sempre, amar, mesmo que, às vezes,
não saiba como dizer ou demonstrar.
Novos muros a derrubar. Vou catar outras
pedrinhas em nome do amor com as quais possa compor novas histórias, poesias,
personagens e, pelo menos no meu desejo, imortaliza-los. Ainda é possível
escrever a vida. Tente.
Agora
vou colocar para rodar no vídeo um filme que está no cantinho dos que gosto de
ver para matar saudade:
Good bye, Lenin! (Adeus, Lenin!), de Wolfgang Becker, 2003. O filme consagrou Daniel Brühl como um dos grandes atores alemães da nova geração. Quem quiser ver pode baixar Adeus, Lenin!, em vários sites na internet.
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